O projeto arrancou no início do ano. “Frescos com Vida” é uma iniciativa da Comunidade Vida e Paz que visa a integração de pessoas sem abrigo ou com dependências de álcool e droga através da agricultura biológica.

O repórter Miguel Videira foi conhecer o projeto “Frescos com Vida”. Um trabalho com sonoplastia de Pedro Picoto.

“Está a ver o cebolinho? O alho francês já arrancámos. Estas flores são as tais que são comestíveis”. O indicador de João Ribeiro vai percorrendo as diferentes culturas plantadas no terreno com perto de um hectare, situado no Sobral de Monte Agraço. Integra uma quinta da Comunidade Vida e Paz, organização de inspiração católica que se dedica apoiar sem-abrigo e pessoas com dependências, por exemplo, o álcool. Foi o caso de Ribeiro, como por aqui é conhecido o supervisor do projeto “Frescos com Vida”.

A iniciativa arrancou no início do ano e consiste na venda ao público de hortícolas e frutícolas cultivados de forma biológica pelos utentes desta associação. São hoje perto de 15, orientados por Ribeiro, o único contratado pela Comunidade Vida e Paz. Aqui chegou há cerca de duas décadas por sugestão de uma equipa de rua numa altura em que tinha “problemas com álcool”. Uma experiência que faz com que hoje compreenda bem as dificuldades por que passam algumas das pessoas que fazem tratamento.

“Este aqui é o Francisco, o capataz cá da quinta”, diz Ribeiro entre sorrisos. Francisco está sentado com um balde de água ao pé e uma caixa cheia de nabos. Tem como missão cortar a rama e lavar os nabos que mais tarde irão fazer parte dos cabazes de venda ao público. Já terminou o tratamento há muito mas continua a vir à quinta todos os dias em regime de voluntariado. “Venho ajudar quem me ajudou” explica Francisco que conclui: “Se não fosse esta casa eu não estava aqui neste mundo”. Tal como a maioria dos utentes que esta manhã trata dos terrenos, Francisco teve problemas com álcool.

Há outros casos, como o de João Justo. “A culpa disto acho que foi o Ian Dury. Inventou aquela música do ‘Sexo, Drogas & Rock’n’Roll. Eu fui barman, não faltava nada, faltava-me era um bocadinho de tino”. João tem 56 anos iniciou o tratamento há quatro. A participação na oficina de agricultura “faz parte da recuperação” para se manter “limpo e sóbrio”. “Enquanto me proponho a um objetivo não estou a pensar noutras coisas”, conclui João.

Ribeiro, Francisco e João são alguns dos rostos que ajudam a dar forma ao projeto “Frescos com Vida”. “Temos ervilhas, temos favas, couve portuguesa, brócolos, couve flor….”. A lista é extensa e, sublinha Ribeiro, todos os produtos são cultivados de forma biológica. Significa que não há recurso a herbicidas, “as ervas são todas arrancadas à mão com um sacho”. O mesmo em relação aos inseticidas. Neste caso não há recurso a produtos químicos, pelo menos aos convencionais. “É feito um chorudo das urtigas que espanta a mosca branca, aranhiços e assim… também pode ser feito com cebolas trituradas”.

Os produtos saem depois diretamente da terra para os cabazes que desde o início do ano podem ser encomendados através da página de internet da Comunidade Vida e Paz. Existem cabazes grandes (10 euros) e pequenos (6 euros). Todas as semanas saem das duas quintas envolvidas no projeto “uma média de 12 grandes e 6 pequenos”.

A procura tem vindo a aumentar de tal forma que, explica Núria Costa do gabinete de comunicação da Comunidade Vida e Paz, está a ser equacionada a possibilidade de estabelecer “parcerias com empresas que possam apoiar no sentido de fazer a distribuição”. A ideia é promover a entrega domiciliária após encomendas feitas online.

A expansão do projeto é um cenário que enche de entusiasmo Ribeiro. Não tanto pelo sucesso comercial da iniciativa, mas pelo que pode contribuir para a sensibilização da comunidade para a problemática dos sem-abrigo. “A nossa sociedade está um pouco esquecida dos sem-abrigo e das pessoas que tem problemas com álcool e droga. As pessoas rotulam aquelas pessoas mas esquecem-se que do outro lado está um ser humano que tem qualidades e virtudes. Se calhar até têm mais do que muitas pessoas que nunca tiveram problemas. Isto é um probelma que está por detrás da porta de qualquer pessoa e se não houver alguém que acredite neles e que aposte neles , são pessoas que caem no esquecimento”.

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